A crise econômica, política e moral que o Brasil atravessa é sem precedentes na história moderna do País. Ela é profunda e afeta tanto os cidadãos quanto as empresas. Sobreviver nesse período de turbulência é um desafio que não é trivial e, do ponto de vista dos negócios, algumas condutas serão fundamentais para quem pretender manter sua posição no mercado e sua saúde financeira, e, assim, chegar ao final dessa crise em condições de competir e com potencial de crescimento.
Atualmente, já é evidente para todos que o governo (em todas as suas esferas) não possui mais espaço para injetar dinheiro na economia, tal o tamanho da crise fiscal a que chegamos. O desastre do resultado da chamada nova matriz econômica se reflete na alta inflação e no déficit nas contas públicas, que o governo vem tentando sanar com cortes no orçamento e tentativas de aumento de arrecadação (nesse momento, via CPMF), ainda que os tais cortes venham se mostrando tímidos e muito aquém da necessidade.
Assim, é importante que as empresas tenham a compreensão que, esgotada a fonte de incentivos públicos, é indispensável diminuir a dependência de favores fiscais e créditos subsidiados e passar a investir em um novo modelo de negócio.
Isto envolve a busca de práticas que aumentem sua produtividade e uma forte disciplina de capital e de preservação da liquidez. A esta altura da crise é bastante claro que as empresas bem sucedidas foram aquelas capazes de desenvolver e se ater a um plano estratégico que resultasse no adequado aproveitamento de oportunidades, aqui e lá fora, na elevação da eficiência e no aproveitamento de nossas vantagens comparativas, sem excessiva alavancagem. Raizen, Grupo Ultra e Renner, entre outros, são casos que vem a mente. Hypermarcas é outro exemplo de quem soube reduzir o endividamento, via venda de ativos, na hora correta.
Por outro lado, empresas que desenvolveram planos estratégicos excessivamente ambiciosos (o caso de hoje mais óbvio é o da Petrobrás; o de ontem, Eike Batista) e/ou que se abraçaram ao Estado, numa relação muitas vezes espúria (vide Operação Lava-Jato), estão em situação difícil, muitas correndo sérios riscos de sobrevivência. Os casos mais óbvios estão na construção pesada e nos estaleiros.
Para que as empresas consigam atravessar esse momento de recessão sem destruir sua chance de futuro, uma alternativa é reforçar as linhas de exportação e a internacionalização de suas companhias já que a desvalorização do câmbio favorece as exportações e permite às empresas aproveitar a maior competitividade com os produtos importados, que ficaram caros demais. Da mesma forma, o cenário favorece o aparecimento de oportunidades para nacionalizar componentes e, assim, baratear o custo de produção. A retração da economia também gera oportunidades de compra de ativos a preços atrativos, o que poderá ser aproveitado pelas empresas que possuírem um balanço consistente, condição fundamental nesse momento para acesso a linhas de crédito privadas.
Além desses fatores, é primordial que as empresas façam um esforço concentrado para conceberem melhores práticas de gestão e de produção. Novos modelos de negócios podem ser gerados a partir da integração de serviços com a produção industrial (não mais basta vender equipamentos, mas também a gestão de seus serviços), de serviços e produção agrícola (como gestão e análise de dados, permitindo a agricultura de precisão). Da mesma forma, o desenvolvimento de plataformas cooperativas na área de serviços e a integração de máquinas, a chamada internet das coisas, permitem abrir incontáveis frentes de trabalho. É preciso atenção, pois muita coisa velha está morrendo e muita coisa nova está nascendo.
Exatamente por isto se tornou decisiva a boa governança, aqui entendida como um conjunto de práticas e procedimentos que visam à transparência, aspecto fundamental nos negócios realizados com empresas do setor público, com as de capital aberto e as estrangeiras. É fato que a Lava Jato colocou o Brasil no centro de um dos maiores – se não o maior – escândalos de corrupção que se tem notícias no mundo moderno. Paralelamente, a edição da Lei 12.846, em vigor desde 29 de janeiro de 2014 (Lei Anticorrupção), aproximou o País das legislações em vigor nos países mais desenvolvidos, como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) dos EUA e o Bribery Act do Reino Unido, as quais objetivam combater a corrupção de forma mais efetiva, abrangendo também as pessoas jurídicas, que passaram a estar sujeitas às diversas punições contidas na lei caso ajam de forma ilícita, atentando contra o patrimônio público e estrangeiro.
O forte impacto da Lava Jato sobre as empresas que se veem hoje envolvidas no escândalo evidenciou a importância das sociedades possuírem ferramentas de controles internos que permitam detectar e combater práticas que possam levar a crimes tipificados na Lei Anticorrupção. As companhias que não demonstrarem que possuir controles internos efetivos e uma área independente de compliance terão mais dificuldade de fazer negócios com o setor público e com empresas estrangeiras, que é justamente uma das alternativas acima apontadas para se atravessar a crise atual.
Práticas de compliance se coadunam e complementam a boa governança corporativa, que inclui a transparência na informação, existência de auditorias periódicas realizadas por empresas independentes (e que sejam trocadas de tempos em tempos), monitoramento das atividades de funcionários para verificação de sua adequação aos atos que são legalmente permitidos, treinamentos para informar os tipos de atos que são puníveis em lei e o que fazer quando se está diante de uma situação potencialmente ilícita, contratação com parceiros comerciais que possuam mecanismos internos de compliance, além de uma área autônoma equivalente e com poder efetivo de fiscalização e ação.
Além disso, estão incluídas nas boas práticas de gestão garantir a efetividade dos conselhos de administração, independentemente do tamanho da companhia, os quais devem ter papel relevante na indicação das decisões estratégicas que serão tomadas pela direção da empresa, e reforçar a relação com os acionistas das empresas (seus investidores) por meio de assembleias.
O difícil momento atual, assim, tem o viés positivo de possibilitar mudanças que, em longo prazo, podem significar uma melhora definitiva nos fundamentos das empresas, as quais, a depender das suas decisões estratégicas, podem sair de um momento muito adverso fortalecidas e mais preparadas para enfrentarem um ambiente de negócios mais moderno, o qual impõe alguns requisitos de participação, como a boa governança e compliance. Preocupação com a sustentabilidade também é necessária e agrega valor aos negócios das empresas.
O aprofundamento da crise e o advento da Lei Anticorrupção geraram uma transformação na relação entre o público e privado, que tende a se consolidar. Ainda que haja um retorno dos investimentos por parte do governo, dificilmente se voltará aos níveis dos últimos anos. Assim, aqueles que lograrem êxito em desenvolver uma gestão eficaz, novas tecnologias e aumentarem a produtividade sem mais depender do setor público, terão condições de crescer independentemente de fatores externos, o que fortalecerá a companhia de maneira permanente.
A forma de se fazer negócios com o Estado provavelmente será revista, já que a possibilidade efetiva de punição por atos de corrupção por parte das empresas e das pessoas físicas envolvidas, trazida pela Lei Anticorrupção, faz com que velhas práticas não possam mais ser mantidas, sob pena das empresas flagradas serem proibidas de contratar com Poder Público e ter seu nome inscrito no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceisi). Esse conjunto de fatores faz com que a crise, por mais penosa que ela seja, possa gerar oportunidade de melhorias estruturais na esfera privadas das companhias, fortalecendo-as em longo prazo, bem como acabe por forçar o Estado a rever sua própria forma de fazer negócios e investimentos, isolando interesses pessoais e privados na gestão do patrimônio público, procurando agir de forma mais idônea do que vem fazendo nos últimos anos, o que é fundamental para o desenvolvimento sustentado do País.
Por Maria Carolina Mendonça de Barros
Doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, sócia do escritório ZMB
Por José Roberto Mendonça de Barros
Economista, com Doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Yale University, é sócio da MB Associados