Contratos, Publicações Gerais por MB Advogados

Mas é só um empréstimo… por que preciso de contrato?

Texto por Luciana Guimarães Betenson.

Imagine que você emprestou sua casa de praia para amigos de amigos. A ideia era que eles passassem um fim de semana na casa para saber se seria um local adequado para alugar por mais tempo para o Reveillon. Você achou que não seria necessário colocar o arranjo por escrito, afinal era só um final de semana. As crianças, jogando bola no jardim, acabaram quebrando as janelas da casa vizinha, cujo conserto lhe custou mais do que uns trocados. Eles entendem que foi um acidente e não aceitaram reembolsá-lo.

 

Mas você não aprendeu a lição e sem qualquer documento escrito emprestou dinheiro para o cunhado, que prometeu pagar no ano seguinte. Chegou a data de devolver o empréstimo, a inflação neste período subiu inesperadamente e agora vocês não chegam a um acordo sobre como reajustar o valor emprestado.

 

Imaginemos, ainda, que a sua empresa, que vende água em garrafões, emprestou 50 filtros de água adaptáveis a estes garrafões para uma cliente dona de diversos supermercados. Depois de alguns meses a empresa cliente mudou de direção, deixou de comprar seus garrafões de água e agora não quer devolver os filtros, alegando que foram doados. Como sua empresa não firmou qualquer contrato com a cliente formalizando o empréstimo, agora ficou a ver navios. Pior ainda: a antiga cliente está, agora, colocando os seus filtros de água à venda em um site na internet.

 

É na hora que o porco torce o rabo que percebemos como ter um documento escrito é melhor do que ter que correr atrás do prejuízo depois, ter que confiar na memória – a sua e a dos outros – e ter que explicar que focinho de porco não é tomada.

 

Primeiro, porque o contrato formaliza o que foi efetivamente combinado. Assim, por exemplo, que a pessoa que pegou sua casa emprestada terá que arcar com os prejuízos que causar enquanto estiver utilizando a casa. Ou, ainda, diferenciar uma doação de um empréstimo, que vai compelir aqueles que receberam os bens emprestados a devolvê-los. E, no caso do empréstimo em dinheiro, esclarecer questões como a forma de reajuste e poupar dor de cabeça para ambas as partes. Em outras palavras, é o contrato escrito que efetivamente documenta a história do empréstimo e descreve as condições do negócio celebrado entre as partes.

 

Segundo, porque o contrato formalizado por escrito, com a assinatura das partes e de duas testemunhas é um título executivo extrajudicial, que pode encurtar bastante o caminho se você tiver que entrar na Justiça para receber de volta o bem emprestado ou o dinheiro gasto com prejuízos advindos do empréstimo.

 

Vejamos. Com exceção do empréstimo em dinheiro, todos os contratos mencionados acima têm natureza de comodato, ou seja, o bem emprestado fica no domínio de quem emprestou. Assim, por exemplo, qualquer prejuízo causado a terceiros será cobrado do dono do bem. Este, por sua vez, terá que ir atrás do verdadeiro causador dos prejuízos.

 

Se você não tiver um contrato escrito, terá que primeiro ingressar em Juízo com uma ação de cobrança, para que o Juiz determine (declare) que você tem realmente o direito de receber o crédito ou o bem de volta. A ação de cobrança pode exigir produção de diferentes provas, laudos periciais, audiências, etc. e pode durar anos, sendo que na maioria das vezes o credor somente terá um título executivo (neste caso judicial) ao final da ação, com uma sentença favorável transitada em julgado, ou seja, irrecorrível. Imagine que, até lá, todos os filtros de água da sua empresa já se escafederam.

 

Por outro lado, se você tiver o contrato, ou seja, o título executivo extrajudicial, pode pular várias casas no tabuleiro do jogo judicial e propor diretamente uma ação de execução, sem necessidade de propor antes a ação de cobrança. A ação de execução é mais rápida e os bens do devedor vão garantir o crédito. Ou seja, com mais certeza, agilidade e liquidez para receber o que lhe é devido.

 

Por isto o contrato é tão importante. Como diz o velho ditado, o combinado não sai caro.

 

 

Luciana Guimarães Betenson
Advogada do ZMB Advogados.
Luciana é advogada com atuação em consultoria em direito empresarial desde 1994.

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