A possibilidade de utilização de quotas preferenciais em sociedades limitadas foi bastante discutida ao longo dos anos, tendo em vista o disposto no artigo 1.053 do Código Civil, que prevê a utilização supletiva, pelas sociedades limitadas, da lei das sociedades anônimas. No entanto, a Instrução Normativa nº 98/2003 do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC) vedou expressamente essa categoria de quotas nas sociedades limitadas, provavelmente aceitando a interpretação de parte da doutrina de que quotas preferenciais contrariam o princípio basilar das limitadas que é o intuito personae, que traz em si a igualdade essencial entre todos os sócios.
No entanto, a Instrução Normativa nº 38 de 2 de março de 2017 (“IN 38/2017”) emitida pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), órgão que substituiu o DNRC, alterou o entendimento anterior e passou a permitir expressamente a possibilidade de previsão de quotas preferenciais (item 1.4, II, b do Anexo I da IN 38/2017). Ao incluir as quotas preferenciais em seu contrato social, a empresa fica dispensada de declarar neste instrumento a regência supletiva da lei das sociedades anônimas.
As quotas preferenciais possuem as mesmas vantagens das ações preferenciais descritas no artigo 17 da lei das sociedades anônimas, quais sejam: (i) prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou mínimo; (ii) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou, (iii) a acumulação das vantagens descritas nos itens (i) e (ii). As quotas preferenciais podem não possuir direito a voto ou ter este direito limitado.
Desde a IN 38/2017 várias start ups passaram a se valer das quotas preferenciais, que são normalmente atribuídas aos investidores das empresas que, muitas vezes, querem realizar o aporte de capital, mas não têm a intenção de participar da vida política da sociedade ou querem participar apenas de forma indireta, por meio de Conselhos de Administração (também expressamente permitido no item 1.2.13.5 do Anexo I da IN 38/2017) ou de Conselhos Consultivos. A possibilidade trazida pela referida instrução normativa permite maior flexibilidade na estruturação das sociedades limitadas de forma a se adaptar aos seus objetivos e permitir novas alternativas de investimentos. Da mesma forma, em reestruturações societárias, pode ser interessante que um sócio (ou um determinado grupo de sócios) que queira manter o controle da empresa permaneça com quotas ordinárias e designe quotas preferenciais para demais sócios que apenas querem participar da distribuição dos lucros, sem possuir interesse em direito de voto.
A permissão de aquisição de quotas pela própria sociedade para sua manutenção em tesouraria também é outra possibilidade trazida na IN 38/2017. Essa alternativa permite que a empresa, em caso de saída de sócios e impossibilidade de aquisição de suas quotas pelos sócios remanescentes, compre as quotas do sócio retirante a as mantenham em sua tesouraria, desde que a sociedade possua recursos para tanto (saldo de lucros ou reservas) e que as quotas alienadas se encontrem totalmente integralizadas. A sociedade, no entanto, não poderá participar de seus lucros, votar em deliberações sociais ou participar de aumentos de capital. As quotas mantidas em tesouraria poderão ser cedidas a sócios ou a terceiros, respeitado o disposto no contrato social, ou serem canceladas pela sociedade.
As possibilidades aqui mencionadas – Conselho de Administração, quotas preferenciais e quotas em tesouraria – trazem às sociedades limitadas, tipo empresarial dominante no País, maior praticidade e adaptabilidade aos diferentes modelos de negócios, tornando ainda mais atraente sua utilização.
Por Carolina Mendonça de Barros
Sócia do escritório ZMB Advogados