Na visão de especialistas, mecanismos usados pelo órgão de defesa à concorrência são cada vez mais eficazes. Alvo de restrição, a Perdigão é uma marca que desperta após período de dormência
Os mecanismos usados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para proteger o mercado brasileiro de distorções parecem estar amadurecendo, indicam especialistas ouvidos pelo DCI.
Exemplo dessa evolução seriam as condições impostos para aprovar a fusão entre Sadia e Perdigão, que deu origem à BRF. Esta última marca, para viabilizar o negócio, foi suspensa de uma série de ramos alimentícios, como presuntos, suínos e linguiças. Nessas categorias, as duas marcas atingiriam um nível de concentração muito alto.
Agora, após mais de três anos de dormência, as restrições em algumas categorias começam a expirar e a Perdigão retorna com uma campanha forte de marketing.
“Atualmente, a Perdigão está presente em categorias que representam 60% do mercado de congelados, frios e embutidos”, explica, em nota, Fábio Miranda, diretor de marketing da BRF.
Gerardo Figueiredo Junior, do ZMB Advogados, observa que a restrição do uso de marca é uma ferramenta conhecida para remediar a concentração de um mercado. Mas nem sempre atinge o esperado.
Ele lembra que, em 1997, o Cade aplicou o mecanismo na compra da Kolynos pela Colgate. Para dar chance à concorrência, a primeira marca deveria sair do mercado por quatro anos. “Mas o grupo criou a Sorriso, que ocupou o espaço da Kolynos. Ou seja, não foi o resultado que se imaginava.”
Erro
Na avaliação de Leopoldo Pagotto, que preside a comissão de direito da concorrência no Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o caso dos cremes dentais é um dos exemplos clássicos de decisão errada. “A decisão foi tão mal feita que as empresas continuaram com 70% ou 80% do mercado”, acrescenta.
Mas no caso da Sadia e Perdigão, o Cade agiu diferente. Figueiredo diz que o órgão impôs restrição para que outra marca não pudesse ser criada.
Com isso, parece ter havido mais espaço para que uma terceira marca se desenvolvesse — a Seara. Mas o advogado ainda faz ressalvas. “Na verdade, só poderemos avaliar que o resultado da decisão foi satisfatório dentro de alguns anos. Será que a Seara conseguiu?”
A suspensão do uso de marca, por outro lado, é apenas um dos mecanismos no arsenal do órgão antitruste. Em 2000, quando foi aprovada a fusão entre Antarctica e Brahma, o órgão determinou a venda das marcas Bavária e Polar, além de cinco fábricas.
Segundo Pagotto, o Cade tem poderes para determinar qualquer tipo de restrição, mas tenta intervir o menos possível. “A venda [de planta industrial], por exemplo, é uma medida muito drástica”, diz. As determinações relacionadas ao uso de marcas, em contrapartida, seriam uma penalidade um pouco mais branda.
Para Figueiredo, as decisões diferentes são sinal de aprendizado. “O antitruste no Brasil é muito recente. As coisas ainda estão sendo testadas”, diz.
Veto
Em 2004, o Cade vetou a operação de compra da Garoto pela Nestlé, devido a alta concentração de mercado que a operação poderia provocar. No ano seguinte representantes da empresa buscaram a justiça comum para conseguir uma solução, que levou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a decidir que o Cade deveria voltar a analisar o caso. Ainda cabe recurso. Mas segundo os especialistas, não há perspectiva de que a tramitação se desenrole.
21/01/2015, DIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA & SERVIÇOS