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Samba meu. O Brasil está pronto para flexibilizar direitos trabalhistas?

Por Walter Abrahão Nimir Jr.

Em abril de 2016, foi apresentado o Projeto de Lei nº4.962/2016, de autoria do Deputado Júlio Lopes, perante a Câmara dos Deputados, que visa alterar a redação do artigo 618, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Em síntese, o projeto trata da possibilidade de flexibilização de condições dos contratos de trabalho, mediante a celebração de convecção ou acordo coletivo de trabalho, sobrepondo-se as determinações legais acerca dos temas tratados, ainda que respeitadas a Constituição Federal e as normas de segurança e medicina do trabalho.

Versa, também e especificamente, sobre a possibilidade de tornar temporariamente maleáveis a jornada de trabalho e os salários de trabalhadores, sendo necessário deflagrar-se medida compensatória, nessa hipótese.

Diante da existência de outros projetos que também discutem a alteração de artigos semelhantes da CLT, a proposta foi apensada ao já existente Projeto de Lei nº 944/2015.

Após a apresentação do Projeto, em paralelo as notícias que denotam a intenção do Governo Federal de propor medidas semelhantes as tratadas no PL, a questão de maior debate que emergiu versa acerca do real cabimento (legalidade) de tal medida.

À primeira vista, a conclusão mais palatável seria de que não é cabível qualquer ato que vise reduzir direitos já conquistados e, por isso, certamente qualquer disposição nesse sentido estaria potencialmente eivada de nulidade.

Não obstante, se cuidadosamente analisada a justificação do Projeto de Lei, o atento leitor poderia constatar que a modificação proposta permanece nos limites da legalidade.

A uma, porque obedece ao preceito previsto no artigo 7º, da Constituição Federal, que rege todo o ordenamento jurídico nacional, in verbis:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; (…) – gn”

A duas, porque em consonância, também, com Orientações da OIT ratificadas pelo Brasil que visam estimular e promover a negociação coletiva. Vejamos:
Convenção nº 98, da OIT:

Art. 4º: “Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e condições de emprego”

Convenção nº 154, da OIT:

Art.  8º: “as medidas previstas com o fito de estimular a negociação coletiva não deverão ser concedidas ou aplicadas de modo a obstruir a liberdade de negociação coletiva”

Assim, do ponto de vista que aqui se defende e se analisa com extrema brevidade, inexistiria ilegalidade na proposta de alteração ao artigo 618, da CLT.
Contudo, a despeito do aparente ajuste aos ditames legais, vislumbra-se grande preocupação – distinta daquelas já citadas em artigos específicos que tendem a discutir apenas o estrito texto da lei – com a aprovação deste Projeto de Lei.

Tal inquietude tem maior relação com o 76o (septuagésimo sexto) lugar ocupado pelo Brasil no ranking derivado do Índice de Percepção da Corrupção, divulgado pela Organização Não Governamental Transparência Internacional, do que com algum aspecto formal da norma.

Isto, porque, a possibilidade de flexibilizar direitos, em especial salários e jornada de trabalho, mediante Acordo ou Convenção Coletiva, confere aos Sindicatos um poder de influência demasiadamente elevado, tornando-os, juntamente com as empresas, verdadeiros legisladores à frente de sua categoria.

E, embora, em teoria, sejam os Sindicatos legítimos representantes das respectivas categorias, a prática não se mostra muitas vezes tão límpida. E essa é a vertente apresentada pela mudança legislativa que deveria verdadeiramente preocupar a todos.

Não se pode ignorar o momento político vivido pelo país, o confronto que a muitos interessa estabelecer, do bem contra o mal, da esquerda contra a direita, do sul contra o norte, dos ricos contra os pobres, dentre tantos outros.

Neste cenário, ainda demasiadamente permeado por inegáveis atos de corrupção, o que levaria a acreditar que os Sindicatos seriam isentos de desvios, em especial se não há qualquer fiscalização ou controle efetivo de seus atos?

Verdadeiramente, como ficariam os direitos dos trabalhadores se juntássemos uma Lei que autoriza a flexibilização dos direitos adquiridos nos salários e jornada de trabalho com potenciais dirigentes sindicais que possam não primar pela lisura nas suas ações?

De fato, não é difícil perceber a necessidade de uma maior reflexão sobre o tema e essa vertente específica.

Estaria o Brasil preparado para autorizar que os Sindicatos possuam amplos poderes de flexibilizar direitos em norma coletiva?

Sob a respeitosa ótica dos autores, não.

Embora generalizar condutas seja sempre um equívoco, não se pode afastar o risco de existirem dirigentes que permanecem no poder visando unicamente estabilidade no emprego, sem possuir verdadeira integridade para representar a categoria e com uma maior preocupação em defender seus próprios interesses.

E a preocupação não merece exclusividade apenas as entidades sindicais, afinal, é principalmente das empresas que partiram os maiores atos de corrução hoje reconhecidos.

Mais uma vez, qualquer generalização seria injusta com a maioria de empresas e pessoas que nelas atuam de maneira bem intencionadas e íntegras, mas o risco existe e deve ser indicado.

Nesse sentido, a percepção que se pretende evidenciar aqui é de que o Brasil não está maduro o suficiente para a aprovação de uma Lei que permita, mesmo que seja de modo temporário, a flexibilização dos direitos trabalhistas, ao menos não sem algum meio de controle.

Deste modo, mesmo apresentando justificativa distinta da maioria, conclui-se também não ser recomendável o prosseguimento do Projeto de Lei nº 4.962/2016 neste momento, ao menos não da forma em que redigido.

Artigo escrito por Gabriela Dell Agnolo de Carvalho e Walter Abrahão Nimir Junior

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