Muitas empresas nos consultam sobre a melhor forma de indexar seus contratos de compra e venda quando entre particulares, ou seja, quando nenhuma das partes é uma instituição financeira.
Digamos que duas partes acordem, por exemplo, a compra e venda de um carro usado, em 24 parcelas mensais. A alternativa mais conservadora para correção do valor real do preço e para manutenção do equilíbrio financeiro do contrato seria a cobrança de correção monetária com base em algum índice oficial, como o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo do IBGE) ou o IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado da FGV), acrescidos de juros no limite máximo de 12% (doze por cento) ao ano.
Porém, essa forma de indexação muitas vezes não corrige o valor de uma forma justa – ou seja, repondo as perdas financeiras.
Assim, algumas empresas buscam outras formas de indexação para reposição de perdas financeiras, como o uso de um percentual do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) em substituição aos juros simples. Contudo, ainda que esta prática possa ser mais favorável a uma ou até para ambas as partes, ela pode apresentar um risco legal. Observe-se que o CDI é um título de emissão das instituições financeiras, que lastreia as operações no mercado interbancário. Ou seja, é um título que basicamente norteia transações entre os bancos – ainda que possa ser utilizado pelas instituições financeiras para outras funções. Existe hoje, inclusive, uma ampla discussão sobre a legalidade do CDI como indexador em contratos bancários – que provavelmente seria ainda mais complicada para os contratos que não envolvem instituições financeiras como uma parte contratante.
Entendemos que uma opção poderia ser a adoção da regra disposta pela recente Lei nº 14.905, de julho de 2024. Ainda que essa regra tenha sido criada para os casos de inadimplência, poderá ser um norte para correção do valor real do preço e para manutenção do equilíbrio financeiro em contratos de compra e venda parcelados (que não estejam sob regramento de leis especiais).
A Lei nº 14.905/24 alterou o Código Civil e uniformizou algumas regras aplicáveis à atualização monetária e juros nas relações contratuais, entre outras disposições. Resumidamente, determina que, nos casos em que não houver previsão legal específica ou estipulação em contrato, nas hipóteses de inadimplemento de obrigações, deverão ser adotados os seguintes parâmetros de atualização monetária e juros: a) atualização monetária pelo IPCA/IBGE ou índice que vier a substituí-lo; e b) juros legais com base na SELIC (taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), observado que deverá ser feita a dedução do índice de atualização monetária estipulado ou aplicável. Se o resultado for negativo após a dedução, deverá ser considerada uma taxa equivalente a zero para cálculo da taxa de juros no período de referência. A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN). Assim, o BACEN disponibilizará uma ferramenta on-line para simular a taxa de juros legal em situações cotidianas, facilitando a aplicação das novas regras para os cidadãos.
Ressalve-se que a aplicação desta regra da Lei nº 14.905/24 na indexação de contratos entre particulares é uma possibilidade que não foi discutida ou apreciada formalmente pelos nossos tribunais, fora das outras hipóteses previstas especificamente na Lei, ou seja, para a indexação na hipótese de perdas e danos, quando não há índice de atualização monetária previamente convencionado.
Apesar da não existência de uma permissão legal expressa de se adotar essa regra para indexar contratos particulares, ela pode ser um parâmetro razoável para as empresas que contratam a compra e venda parcelada, ainda mais se analisarmos essa possibilidade em conjunto com as disposições do artigo 421 e seguintes do Código Civil, pelas quais as partes negociantes podem estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução, bem como a liberdade de definir a alocação dos riscos da contratação entre elas, entre outras disposições contratuais.
Por Luciana Guimarães Betenson, advogada do Mendonça de Barros Advogados.