No dia 26.9.2019, em um julgamento muito aguardado pela comunidade jurídico-trabalhista, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), do Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) definiu não ser possível o recebimento cumulado dos adicionais de periculosidade e insalubridade, mesmo se resultantes de fatos geradores distintos e autônomos.
Como a decisão advém de um Incidente de Recurso Repetitivo (IRR239-55.2011.5.02.0319”), o esperado é que a tese venha a ser aplicada a todas demandas correlatas.
A reclamação trabalhista da qual originou-se o IRR, em si, não é tão relevante quanto o contexto em que a questão analisada inseria-se. Explica-se.
Há alguns anos, a notícia de que o Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) admitiu, pela primeira vez em sua história, a cumulação do pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade a um trabalhador causou alvoroço na comunidade jurídica especializada. A essa decisão, ainda, seguiram-se diversas no mesmo sentido – admitindo a cumulação –, além de outras tantas em sentido oposto – vedando-a.
A razão do tumulto da decisão, à época, referia-se ao fato de que a não cumulatividade dos adicionais, até então pacífica no próprio TST, foi abalada sob o entendimento de que:
- cada adicional cobre um risco determinado e diferente do outro – o que é verdade –;
- há convenções internacionais que justificariam a cumulação – meia verdade, sob minha exclusiva interpretação –; e
- o dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) que determina aos empregados a opção por um dos adicionais não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988.
E este último ponto é o que demanda maior atenção para compreensão da atual decisão. Vejamos.
De fato, a redação objetiva do artigo 193, §2º, da CLT, é a seguinte:
“Art. 193 (…)
- 2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.”
O artigo 194, a seu turno, demonstra, também, a clara intenção do legislador de que apenas um dos adicionais seja devido:
“Art.194 – O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho.”
Entretanto, surpresa!
Vinte e seis anos após a edição da Constituição Federal de 1988, nossa mais alta corte trabalhista do país, por uma de suas Turmas, passava a entender que nossa Lei Maior não seria compatível com a redação desses dispositivos da CLT, cuja redação data de 1977.
Para deixar claro: redigimos as disposições. Depois de 11 (onze) anos implementamos uma nova Constituição. Por 26 (vinte e seis) anos, a compatibilidade é total, mas, de repente… tudo mudava.
Excelente exemplo do “Risco Brasil”, que afasta tantos empreendedores (e aproxima tantos especuladores) internacionais de nossas fronteiras.
No entanto, no recente julgamento, a tese que admitia a cumulação, defendida pelo Ministro Relator Vieira de Mello, restou vencida por aquela apresentada no voto do Ministro Alberto Bresciani.
Nos termos do entendimento vitorioso, parágrafo 2º, do artigo 193, da CLT foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e veda, sob sua interpretação, a cumulação dos adicionais, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos.
Assim, a partir dessa decisão, firma-se o entendimento da Corte Superior Trabalhista de que os adicionais não podem ser cumulados.
Um feliz exemplo de extirpação de mais uma vertente do “Risco Brasil”. Afinal, qual outra forma de viabilizar o discurso que demanda de empresas e empresários menores margens de lucro, se existe a possibilidade desses geradores de emprego serem surpreendidos por alterações jurisprudenciais, até então reiteradas por mais de duas décadas?
É uma satisfação, assim, observar a coerência e sensibilidade de nosso Poder Judiciário Trabalhista nesta situação.
Walter Nimir – Sócio Trabalhista do ZMB Advogados