Se você está pensando em adquirir um ponto comercial ou locar um imóvel para desenvolver a mesma atividade que o vendedor do ponto ou inquilino antecedente, vale a leitura deste texto, que aponta riscos de ocorrer a Sucessão Empresarial e traz também alternativas para evitar-se esta responsabilização.
De uma forma bem simples e sintetizada, a Sucessão Empresarial é a responsabilização do empreendedor que continua um negócio anterior, atuando no mesmo ramo de atividade do vendedor do ponto comercial ou do locatário sucedido. Esta sucessão pode ocorrer nas áreas cível, trabalhista e tributária.
Iniciando-se a avaliação do tema na esfera civil, o Código Civil estabelece no seu artigo 1.146 o seguinte: “O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento”.
Apesar desta definição legal, o Poder Judiciário entende que a Sucessão Empresarial ocorre quando existente alguma identidade societária, seja por sócios comuns ou entre familiares, que relacionam as pessoas jurídicas da alienante e da adquirente do negócio.
Ainda que as decisões judiciais sobre o tema apontem o exercício de mesma atividade e local entre as empresas envolvidas, a identidade na composição societária é fator determinante para a configuração da Sucessão Empresarial no campo cível, sendo recomendável atentar-se à existência deste vínculo familiar ou societário entre as partes que realizam a compra e venda do ponto comercial ou a locação do imóvel que funcionário o negócio, caso o vendedor ou inquilino anterior tenha exercido as mesmas atividades.
Sobre a sucessão na seara trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), trata desta matéria nos artigos 10 e 448, conquanto de forma confusa e bastante polêmica, determinando no seu artigo 448-A que, caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores, “as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.”
Evaristo de Moraes Filho resume o conceito de sucessão de empregados: “opera-se a sucessão quando, numa relação jurídica, se substitui um sujeito por outro, sem alteração do vínculo obrigacional”[1].
A doutrina trabalhista defende ainda que “há sucessão, no conceito trabalhista que a palavra sugere, quando uma pessoa adquire de outrem empresa, estabelecimento ou seção no seu conjunto, isto é, na sua unidade orgânica, mesmo quando não existir vínculo jurídico de qualquer natureza entre o sucessor e o sucedido (conceito trabalhista)”.[2]
O entendimento da Justiça do Trabalho se alinha com o doutrinário, relacionando surgir a sucessão empresarial, quando se mantem o mesmo quadro de empregados, laborando nas mesmas funções e locais, ainda que as empresas empregadoras (alienante e adquirente) não possuam qualquer vínculo entre si.
Sendo assim, pode-se afirmar que a sucessão protegida pela CLT é aquela onde o sujeito empregador é modificado, isto é, uma nova pessoa (sucessor) assume o papel de empregador em relação a determinado contrato de emprego, tendo como empregado a mesma pessoa.
Deste modo, avaliando a Sucessão Empresarial do ponto de vista trabalhista, a recomendação é evitar-se a manutenção do vínculo empregatício, antes existente com o alienante do ponto comercial ou com o locador antecedente.
Passa-se então a avaliar o tema no campo tributário. O Código Tributário Nacional (“CTN”) define a ocorrência de sucessão empresarial em seu artigo 133:
“A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato (…)”:
De modo bem resumido, a doutrina conceitua que estabelecimento comercial é o conjunto de bens materiais ou não de que o empresário se utiliza para exercer a sua atividade comercial e, por outro lado, o valor desse conjunto de bens é o fundo de comércio.
Embora exista esta distinção doutrinária, o entendimento jurisprudencial[3] sobre o conceito de fundo de comércio é o mesmo do significado de estabelecimento comercial, ou seja, os Tribunais definem fundo de comércio como a estrutura organizada do estabelecimento, composta de equipamentos, móveis, maquinário, entre outros bens, para servir o fim comercial que se destina o estabelecimento.
O Poder Judiciário é firme ao ratificar a disposição legal (art. 133, CTN) nas decisões que avaliaram a Sucessão Empresarial de ordem tributária, confirmando que esta responsabilização ao pagamento de tributos ocorre tão somente em caso de compra do fundo de comércio ou do estabelecimento comercial do alienante-devedor tributário, pouco importando a distinção doutrinária existente entre eles.
Diante disto, é importante destacar que na eventual compra do ponto comercial, o respectivo contrato seja expresso em estabelecer que o objeto da compra e venda é tão somente o ponto comercial em si, excluindo qualquer máquina, estrutura, bem ou composição de bens da loja, que possa atribuir à operação a aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, evitando-se, de tal modo, configurar a Sucessão Empresarial dos tributos.
Destaca-se que as circunstâncias do CTN não existem quando uma pessoa loca para outra o seu fundo de comércio ou estabelecimento comercial, ou quando se pactua alguma condição que não implique transferência de propriedade, outrossim, não teria sentido alguém suportar o ônus dos tributos, se não recebeu o domínio daquelas coisas e não passou a ser seu dono.
Enfim, são essas nossas breves considerações sobre o assunto, colocando-nos à disposição para avaliar os riscos em algum negócio específico que o interessado desejar empreender!
Rodrigo de Castro e Souza
Zeigler e Mendonça de Barros Sociedade de Advogados
[1] MORAES FILHO, EVARISTO, in “Sucessão nas Obrigações e a Teoria da Empresa”, vol. I, Forense, 1960, pág. 52.
[2] RUSSOMANO, MOZART VICTOR, in “Comentários à CLT”, 13ª ed., vol. I, Forense, RJ, 1990, pág. 50.
[3] (…) “fundo de comércio ou estabelecimento, vale dizer dos bens empregados na atividade empresarial, tais como o imóvel no qual funciona a empresa, a estrutura, as máquinas, os equipamentos, dentre outros bens” (TRF-2ª R. – AC 0000752-43.2013.4.02.5102 – 3ª T.Esp. – Rel. Érico Teixeira Vinhosa Pinto – DJe 21.06.2018 – p. 283).
No mesmo sentido: (…) “a aquisição do fundo de comércio para fabricação industrial de pães da marca FIRENZE é inegável, pois, além da compra do maquinário e do uso da marca do produto, foram utilizadas, ainda que por curto período, as instalações do parque industrial na produção, além do aproveitamento de mão de obra, como da própria clientela que já consumia os produtos da marca”. (TRF-2ª R. – AC 0000718-46.2014.4.02.5001 – 4ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Soares – DJe 23.10.2018 – p. 567).