No último mês, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que as companhias aéreas possuem autonomia para decidir se transportarão animais de suporte emocional na cabine.
No julgamento realizado, restou estabelecido que os animais de suporte emocional não podem ser equiparados aos cães-guias que, por sua vez, deverão ter a permanência na cabine obrigatoriamente autorizada, seja em voos nacionais ou internacionais.
A impossibilidade de equiparação reside na existência de um treinamento rigoroso e específico para os cães-guias, previsto na Lei n.º 11.126/2005 e no Decreto n.º 5.904/2006. Nos termos do artigo 3º do Decreto, os animais deverão estar sempre acompanhados de identificação com comprovação do treinamento realizado, que é extremamente rigoroso e operado por profissionais amplamente capacitados, avaliados semestralmente.
Para fundamentação da decisão, a ministra relatora Isabel Gallotti pontuou que, atualmente, a grande maioria das companhias aéreas aceita transportar animais domésticos na cabine, desde que sejam cumpridos os requisitos impostos pela empresa, como, por exemplo, limite de peso do animal e a utilização de caixas apropriadas para o transporte, de modo que tão somente os cães-guia devidamente habilitados não precisam atender aos requisitos fixados nesse sentido, nos termos da legislação específica.
A ministra, apesar de manifestar solidariedade com os donos dos animais que, no Tribunal de origem, alcançaram decisão favorável no sentido de que os animais teriam autorização vitalícia para embarque em voos nacionais e internacionais, por atuarem como “terapeutas emocionais” dos tutores, declarou que não havia, no caso concreto, nenhuma excepcionalidade que justificasse a intervenção do Judiciário para impor a obrigação à companhia aérea, considerando a inexistência de legislação específica contrária.
Ao veicular a decisão proferida pela Corte Superior, o poder legislativo pontuou que a decisão contraria o Projeto de Lei n.º 13/2022 aprovado pelo Senado Federal, popularmente conhecido como “Lei Joca”. A proposta, lançada após o episódio que culminou na morte do cão Joca, transportado no porão da aeronave, define regras para o transporte dos animais na cabine ou no porão das aeronaves, estando, atualmente, pendente de aprovação pela Câmara dos Deputados.
Conforme pontuado pela ministra relatora, não há, atualmente, uma legislação específica que determine o aceite, pelas companhias aéreas, de animais de suporte emocional na cabine do avião, assim como não há legislação que regulamente a utilização de animais para esse fim, como a legislação que regulamenta os cães-guias e prevê a existência de um treinamento específico e rigoroso.
Em um caso recente defendido pelo escritório, um consumidor se sentiu lesado ao ser informado que não poderia adentrar em um estabelecimento comercial do ramo alimentício na companhia de seu cão que, segundo alegado, era um animal de assistência emocional.
Ao nos debruçarmos sobre o caso, que ocorreu no estado de São Paulo, apuramos que, para além de o animal ser de uma das raças que torna obrigatório o uso da focinheira, nos termos da Lei Estadual n.º 11.531/2003, regulamentada pelo Decreto n.º 48.533/2004, o consumidor não comprovou a realização do treinamento adequado do animal por profissional capacitado, bem como que a prescrição para companhia de um animal de suporte emocional seria irrestrita, ou seja, obrigaria a presença e permanência do cão em todo e qualquer estabelecimento, incluindo onde há a manipulação de alimentos, como mercados, hortifrutis, restaurantes etc.
Para além da ausência de prova do treinamento necessário do animal, também apuramos que, conforme já abordado, inexiste qualquer legislação atual que determine o acesso de animais de assistência emocional em todo e qualquer estabelecimento aberto ao público e de uso coletivo, havendo apenas um projeto de lei em trâmite junto à Câmara dos Deputados, de n.º 4331/2021, que já foi aprovado pelo Senado Federal para garantir “a companhia de animais domésticos de pequeno porte em todos os meios de transporte ou em locais abertos ao público por pessoa com deficiência mental, intelectual ou sensorial”.
Especificamente no estado de São Paulo, em que ocorreu o episódio em questão, identificamos o projeto de lei n.º 161/2022, cuja ementa assim dispõe: “Assegura ao portador de transtornos psíquicos o direito a ingressar e permanecer acompanhado de animal de assistência emocional em meios de transporte e estabelecimentos públicos estaduais e privados.”. Não há, portanto, legislação vigente que determine a autorização, pelos estabelecimentos privados, da entrada e permanência de animais de assistência emocional em São Paulo.
O Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, possui uma legislação que versa especificamente sobre o tema, de n.º 9.317/2021. A lei estadual prevê que, para liberação da entrada do animal de assistência emocional nos estabelecimentos, é necessário o cumprimento de alguns requisitos, principalmente o cachorro possuir adestramento de obediência básica e isento de agressividade, o que deverá ser comprovado por laudo emitido por profissional certificado para tanto.
Conclui-se, assim, que inexiste, atualmente, legislação federal específica que interfira na autonomia privada para determinar que companhias aéreas autorizem, de forma irrestrita, que animais de assistência emocional viagem na cabine do avião independentemente dos parâmetros fixados pela própria empresa, como limite de peso.
Apesar de os Tribunais Estaduais já possuírem diversas decisões favoráveis ao consumidor, ou seja, determinando que a companhia aérea aceite o animal de assistência emocional na cabine, a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, embora não seja vinculante, pode ser um marco importante para a mudança de entendimento nas instâncias inferiores, ao menos até eventual aprovação de legislação específica.
Já com relação à autorização dos animais em estabelecimentos comerciais privados, inexistindo legislação estadual sobre a obrigatoriedade, a empresa não é obrigada a permitir a entrada e permanência de animais de suporte emocional, mas poderá fazê-lo por mera liberalidade, com a devida comprovação de que o animal, além de ser apto para atuar nesse sentido, não causará nenhum risco aos demais indivíduos presentes no local.
Por Isabela Tretel, advogada do Mendonça de Barros Advogados.