Por Luciana Guimarães Betenson
Em face do conflito, nossa cultura é da contenda e não da conversa. Como advogados aprendemos desde sempre, na faculdade de direito e nos escritórios, que nossa função é “brigar” pelos direitos do cliente. Esta mentalidade reflete uma estrutura jurídica focada no litígio como solução para os conflitos, por meio de uma Justiça bastante paternalista e intervencionista, que impõe decisões e não valoriza a participação das partes.
Este modelo jurídico que enfoca o litígio gera um Judiciário cada vez mais lotado de demandas e que exige mais recursos, tornando-se cada vez menos eficiente. Com 200 milhões de habitantes, o Brasil acumula mais de 100 milhões de ações judiciais em andamento. A cada cinco segundos surge um novo processo na Justiça. Temos hoje um Judiciário que o jurista italiano Mauro Cappelletti definiu como o “terceiro gigante”, que se esmaga pelo seu próprio peso[2].
Neste cenário, surgiu no Brasil nos últimos anos, em linha com uma tendência mundial de pacificação social para mitigar a litigiosidade, uma busca maior pelos métodos alternativos de solução de conflitos, em especial a Mediação e a Conciliação. A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça foi o instrumento legal que impulsionou esta mudança. Com base nos princípios constitucionais de acesso à justiça e acesso à ordem jurídica justa, institucionalizou-se uma política pública nacional de ampla utilização dos meios consensuais de solução dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário. A Mediação e a Conciliação ganharam ainda mais força com o advento da Lei nº 13.140/2015, a chamada Lei de Mediação, e com o novo Código de Processo Civil de 2015.
Na esfera pública, essas políticas de solução de conflitos vêm se provando vitoriosas. Os Centros Judiciários de Soluções de Conflitos e Cidadania (CEJUSCS) vêm compilando resultados substanciais desde 2012 e mais de 300 mil conflitos já foram solucionados pelos meios alternativos desde o início de funcionamento do sistema. Para se ter uma ideia, a Seção de Controle do Movimento Judiciário dos CEJUSCS contabilizou um percentual de sucesso de acordos informais de 67% nos casos pré-processuais cíveis e de família que chegaram a estes órgãos, só em 2015[3]. Este processo de mudança já vem trazendo leveza e maleabilidade ao Poder Judiciário. E a celeridade e eficácia dos resultados vêm induzindo as partes a validar acordos mais duradouros.
Porém, percebo que esta cultura da solução de conflitos pela Mediação e pela Conciliação ainda é parcamente explorada fora do âmbito judiciário. Ainda que a Mediação já venha sendo utilizada no Brasil há mais de dez anos, muito antes da Lei da Mediação, ainda existem poucos mediadores institucionais e ad hoc e são pouquíssimos os contratos firmados que incluem a cláusula de mediação para dirimir conflitos. E, mais ainda, são poucas as empresas e pessoas que conhecem de fato esta alternativa.
Há uma infinidade de situações em que a Mediação e a Conciliação podem ser mais utilizadas, fora dos Tribunais, com bons e ótimos resultados. São desentendimentos advindos da contratação de prestadores de serviços, conflitos com fornecedores e distribuidores, pequenos e médios empresários que dissolvem sociedades, empresas familiares em conflito, casais que se divorciam, herdeiros que dividem espólios, casos de acidentes de trânsito com danos, questões que envolvem direitos do consumidor, entre inúmeros outros. São conflitos nos quais o conhecimento e a disposição para a Mediação e a Conciliação poderiam beneficiar muito as partes envolvidas, com soluções menos litigiosas, mais céleres e criativas.
Indo mais além, a Mediação em especial pode ser aplicada em situações nas quais não existe conflito e o mediador exerce um papel de terceiro facilitador em uma negociação, com o objetivo de minimizar riscos de conflitos futuros. É o mediador que ajuda na elaboração de acordos de acionistas, de protocolos familiares, de códigos de ética e de testamentos. Em alguns países já existe a figura do deal mediator, que atua como um terceiro facilitador em uma negociação contratual, por exemplo.
Há advogados ainda bastante resistentes à utilização e aplicação da Mediação e da Conciliação. O maior desafio é encarar estes métodos alternativos de solução de conflitos como mais uma opção para oferecer ao cliente e não como substitutos do trabalho já realizado pelo advogado contencioso. O advogado que propõe a Mediação e a Conciliação continua a oferecer ao cliente seu saber jurídico e sua experiência.
Entre os mitos da Mediação está aquele que reza que sempre que o advogado oferece ao cliente esta alternativa, é porque ele acredita que não pode “vencer a briga” na esfera judicial. Mesmo que a Mediação não seja uma solução para todo tipo de conflito, muitas vezes ela é o jeito mais inteligente de resolver uma pendência comercial, societária ou empresarial. Por exemplo, a Mediação é bastante indicada para relações que precisam de alguma forma ser preservadas. Nas quais o custo emocional e financeiro de uma ruptura total é alto. Muitas vezes relações societárias e comerciais de longa data podem se favorecer imensamente de um método de resolução de conflitos que além de ser mais flexível, mais rápido e mais criativo, melhor preserva as relações pessoais e comerciais. Ademais, muitos clientes valorizam a possiblidade de poder participar ativamente no processo de solução de um conflito e não simplesmente aguardar que a solução seja imposta por uma autoridade judicial ou um árbitro.
E é desta forma que podemos convencer nossos clientes, ajudando-os a analisar o custo-benefício de uma solução por arbitragem ou por meio de um processo judicial, frente a uma negociação facilitada por um terceiro mediador. O advogado que exerce o papel de auxiliar o cliente na análise jurídica e econômica da questão pendente pode ir mais além do papel informativo e de análise de riscos. O advogado que utiliza da Mediação ou da Conciliação faz o papel de agente da realidade, de filtro de crivo legal, de avaliador de alternativas e de incentivador de soluções flexíveis e criativas para o conflito.
Várias empresas já adotaram esta ideia. Entre elas, um bom exemplo é o Mercado Livre, que somente em 2016 conseguiu encerrar, focando na Mediação, mais de mil processos na Justiça, com pelo menos duas mil pessoas envolvidas[4]. De uma equipe jurídica especializada no consumidor formada por 70% de advogados contenciosos, hoje o Mercado Livre tem 77% desta mesma equipe formada por advogados colaborativos. Esta estratégia trouxe ganhos não só financeiros, mas de melhoria da imagem e da marca da empresa. O projeto deu ao Mercado Livre o 7º Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Creio que agora nosso papel como advogados, mediadores e conciliadores é ajudar a espalhar essa cultura. É levar aos clientes, empresas e cidadãos a ideia de que existem maneiras de solucionar conflitos que não são necessariamente contenciosas, ou que tenham que necessariamente passar pelo crivo do Judiciário.
Para concluir, a utilização da técnica da Mediação e da Conciliação como estratégia jurídica é aplicar a lógica de uma máxima que nós mediadores tentamos sempre mostrar ao cliente – “acordo bom e justo é aquele do qual eu participo, não aquele que me é imposto”. É sabido que as soluções construídas pelas partes, em detrimento das soluções impostas pela autoridade judicial, são mais duradouras e tem um grau maior de eficácia. E, a médio e longo prazo, têm também o potencial de fortalecer a ligação entre advogados e clientes.
[1] fonte: Associação Brasileira dos Magistrados – http://www.amb.com.br/novo/.
[2] Cappelletti, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1993.
[3] fonte: www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ApresentacaoCEJUSCSparcerias.ppsx.
[4] fonte: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84490-cnj-premia-mercado-livre-por-conciliar-conflitos-antes-do-processo-judicial.[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]